quinta-feira, 10 de maio de 2012

A continuidade de Vítor Pereira.

O jogo com o Sporting foi carregado de simbolismo. Foi o coroar de uma época atribulada do F. C. Porto, com alguns jogadores fora da festa, casos de Rolando e A. Pereira, salientando bem alguma gestão delicada de balneário que o F. C. Porto teve que fazer; teve um Porto também que demonstrou uma das suas pechas ao longo da época, a falta de um ponta de lança, e ainda o consagrar de um dos melhores jogadores de sempre da história do campeonato português: o Incrível Hulk. Uma vez mais a grande figura do campeonato. Felizmente, teve na sua provável despedida, um jogo coroado com dois golos, o 2º a demonstrar a classe com que se passeou nos nossos relvados e que tanta saudade vai deixar.

Mas o maior simbolismo estava guardado para quem menos se esperava... Vítor Pereira. Pode-se mesmo dizer que o treinador do F. C. Porto foi mais um exemplo da máxima de que no futebol se passa de bestial a besta e vice-versa a uma velocidade vertiginosa. O mesmo treinador que não servia para o Porto, que foi criticado severamente pelos portistas durante toda a época, e que até, inclusive, no dia da festa do título escutou assobios… Desta vez foi dos mais aplaudidos no Dragão. Mais surpreendente, foi ver que alguns adeptos levaram, inclusive, faixas a apelar à sua continuidade.

Da mesma maneira que me pareceu injusto que se assobiasse o treinador campeão no varandim do Dragão, agora também acho que é um perfeito exagero que ele passe a herói da nação portista e que os mesmos que diziam que eramos campeões “apesar de Vítor Pereira” apelem agora à sua continuidade.

Já abordei de certa forma noutro texto aquilo que considero ser o melhor para o clube e para o próprio Vítor Pereira. Dei a mão à palmatória por a certa altura ter deitado a toalha ao chão e ter achado que seria melhor em Dezembro o Porto ter avançado para outra solução. Uma série de atitudes tomadas pela Sad, entre as quais as dispensas de Belluschi e Guarín, pareciam-me inexplicáveis, mas com o tempo fomos percebendo que afinal Pinto da Costa e seus pares basearam a decisão da continuidade de Vítor Pereira até ao final da época, em critérios de racionalidade e lógica. Fizeram bem o diagnóstico dos problemas e aperceberam-se que a saída de Vítor Pereira seria antes o reforçar da autoridade de um plantel e na subversão daquilo que é uma hierarquia bem montada e bem estruturada que sempre foi a base do sucesso do clube.

Daí que Pinto da Costa tenha mantido Vítor Pereira e lhe tenha reforçado a autoridade junto do grupo, da mesma forma que foi dando carta branca para que se colocasse ordem a um balneário que parecia estar pouco centrado nos objectivos colectivos.

No entanto, Pinto da Costa também admitiu erros de gestão, e trouxe de volta Lucho e acrescentou um ponta de lança. Tentou dar um auxílio para Vítor Pereira na liderança do plantel, lacuna detectada ao longo da época. Sem ninguém dar por isso, e sem fazer grande ruído, também procedeu a pequenas mas fulcrais alterações na composição da equipa técnica. Pinto da Costa foi mais influente e presente nesta Liga como há muito não se via. Arriscou e ganhou.

No entanto, creio que os pressupostos para a escolha de Vítor Pereira para suceder a André Villas Boas, não são necessariamente os mesmos para agora se defender a sua continuidade numa nova época, com um plantel novo, com ambições renovadas.

Vítor Pereira era um projecto de continuidade, projecto esse que falhou em termos de ideologia. A liga foi conquistada, mas a verdade é que o projecto de continuidade falhou. Vítor Pereira não conseguiu dar seguimento ao modelo de jogo implementado por André Villas Boas. O discurso não tinha correspondência prática no campo. Vítor Pereira ainda falava de um futebol de posse de pressão alta, mas em campo via-se uma equipa por vezes perdida sem saber como pressionar e utilizando mais o jogo directo e s transições do que propriamente privilegiando a posse de bola. A motivação dos jogadores não foi a mesma, nem o sentido de grupo que vinha da herança AVB. Daí também alguns acertos no plantel e uma série de casos disciplinares.

Sempre achei que a decisão sobre a continuidade de Vítor Pereira não estaria refém da vitória na Liga ou não. Da mesma forma que Vítor Pereira não foi afastado quando as coisas correram mal, e foi julgado com base noutro tipo de critérios, acreditei que o mesmo se passaria no final da época. Com a Liga ganha, seriam analisads os prós e os contras da sua continuidade, mas acima de tudo se veria mais além dos resultados, e se julgaria se Vítor Pereira teria as características necessárias para uma temporada que será de mudança e não de continuidade.

Obviamente que Vítor Pereira teve o carácter necessário para sobreviver a momentos bem complicados durante a época e lidar com um plantel que parecia não o respeitar. O que ele fez terá que ser obviamente valorizado. Mas também não nos poderá impedir de ver os erros de Vítor Pereira como treinador. As suas falhas que não são justificáveis apenas com a falta de atitude do plantel. Falo de equívocos tácticos como o amputar a equipa de uma ala direita através da utilização sistemática de um central como lateral, falo da forma como ainda agora com o Sporting Vítor Pereira deu uma hora de avanço ao rival, retirando Hulk do jogo para o deixar emparedado no meio dos centrais do Sporting. Uma decisão táctica tão vezes repetida ao longo da época. Falo de vantagens defendidas cedo demais e que resultaram em dissabores, como o resultado logrado em Paços de Ferreira. Falo do insucesso europeu, principalmente na Champions.

O F. C. Porto tem que decidir se quer um treinador para consumo interno, ou se quer almejar a mais. Não é a 1ª vez que a questão se coloca. Co Adrianse fez mais e melhor que Vítor Pereira em termos nacionais, mas nas competições europeias conseguiu ser um fiasco ainda maior. Seria fácil para o F. C. Porto manter Co Adrianse e assegurar várias vitórias no campeonato. A táctica dos 3 defesas assegurava vitórias e espectáculo contra quase todas as equipas da Liga… O problema era ganhar a equipas grandes. Daí que só tenha conseguido ganhar um jogo ao Sporting e não tenha ganho uma única vez ao Benfica.

Co Adrianse saiu e sem grande pena por parte da estrutura F. C. Porto. Porquê? Porque ganhar a Liga para os portistas já é algo que é visto como um mínimo a atingir. Por isso Jesus é tão pouco contestado no Benfica e Vítor Pereira foi tão contestado no Porto. Porque para um benfiquista uma Liga conquistada é uma época genial, enquanto que, para um portista é uma época normal. E não é tão normal se for acompanhada por insucesso europeu.

Desde que a época começou a caminhar para o fim e se viu que Vítor Pereira seria mesmo campeão, viu-se desde logo uma preocupação em toda a imprensa em deixar claro que saberiam o que Pinto da Costa faria, da mesma forma que sabiam quando Vítor Pereira estava a ser criticado por tudo e todos… Logo começaram a apontar para uma saída a bem e que Pinto da Costa faria o número que já tinha feito com outros treinadores, arranjando uma desculpa e uma forma airosa para que o treinador do F. C. Porto saísse sem ser despedido. Aconteceu isso com Ivic, António Oliveira, Carlos Alberto Silva, entre outros.

Quando comecei a ouvir tanta gente a alertar para esse facto, temi que Pinto da Costa fosse fazer exactamente o oposto. É que Pinto da Costa também não gosta muito que lhe adivinhem os passos, nem que lhe digam o que fazer. E quanto mais toda a gente diz que algo vai ser de uma forma, Pinto da Costa tem ainda mais gozo em dar a volta ao texto e deixar todas as pessoas caírem no erro.  Pinto da Costa neste aspecto é um jogador de poker. E gosta de arriscar. Tem colhido muito êxito nesses riscos, mas também tem cometido erros. E a linha entre o risco e a teimosia e excesso de ego pode ser muito ténue e por isso a prudência aconselha-se.

Vítor Pereira independentemente de tudo, apresentou falhas em termos de estratégia e de opções tácticas. Amputou durante grande parte da época a equipa de um lateral direito, adaptando um central a lateral. Sacrificou o talento de Hulk retirando-o dos jogos colocando-o emparedado no meio dos centrais. Ainda neste jogo com o Sporting Vítor Pereira demonstrou isso mesmo, deu uma hora de avanço ao Sporting deixando Hulk fora do jogo, deixando-o dado à marcação. Depois há a questão do discurso. Teve falhas graves, foi incapaz de congregar vontades, e tal num clube como o F. C. Porto causa um desgaste enorme que logo se transfere para o grupo de trabalho.

O F. C. Porto quando decidir a estratégia para a próxima época e estabelecer metas, tem que ter em conta uma série de imperativos do futebol actual. Do futebol industria. Não basta ganhar uma Liga. O Porto tem que fazer receitas extraordinárias. Para isso será importante valorizar activos. A verdade é que mesmo sendo campeão, este ano o Porto pouco aproveitou a montra da Champions… Os activos que estão altamente valorizados no mercado, não o estão pelo que fizeram esta época mas pelo seu histórico. Falo obviamente de Hulk, Alvaro Pereira, Moutinho, Fernando, entre outros. O único jogador que saiu valorizado com Vítor Pereira foi Maicon e quase por acidente, diga-se. O risco de queimar o jogador por o fazer jogar numa posição que não era a sua foi enorme. No entanto, os adeptos souberam valorizar o esforço de Maicon e não confundir as suas falhas naturais como sendo responsabilidade sua, mas sim do treinador que jogava com um lateral adaptado. Maicon conseguiu ganhar o seu posto a pulso e conquistar a confiança dos adeptos e o lugar no centro da defesa que hoje é indiscutível. Beneficiou também do ocaso de Rolando para se converter no patrão da defesa do Porto.

No entanto não nos podemos esquecer como um talento como Iturbe, com um enorme mercado, não saiu sequer do laboratório… James foi intermitente, e em alturas da época vivemos com opções que não tinham lógica nenhuma…Como a de Djalma a titular na frente de James e depois até Cebola Rodriguez para mais tarde ser até dispensado… Uma série de equívocos técnicos e tácticos que não se podem assacar aos jogadores apenas.

Na verdade, aquando das comemorações do título, Vítor Pereira de certa forma acabou por admitir as suas dificuldades. Vítor Pereira deu um salto maior do que era recomendável. Ao contrário de outras apostas de risco de Pinto da Costa, Vítor Pereira tinha muito pouca ou quase nula experiência em estruturas de topo. Trabalhou nas camadas jovens do F. C. Porto, foi adjunto de um treinador carismático que chamava a si toda a responsabilidade e todo o mediatismo. Fora isso, Vítor Pereira como o próprio referiu, era um treinador da Liga Orangina que em poucos anos se viu a treinar o F. C. Porto.

André Villas Boas antes de assumir o Porto, já tinha anos e anos de trabalho em estruturas muito fortes e exigentes como Chelsea, Inter e o próprio F. C. Porto no início da sua carreira. André Villas Boas que já tinha muitos anos de trabalho com José Mourinho e teve uma pequena experiência como técnico principal da Académica na 1ª liga. O próprio Mourinho foi uma aposta de risco, mas quando chega ao Porto já tinha muitos anos de adjunto num clube da dimensão do Barça, já tinha tido uma passagem fugaz mas com relativo êxito pelo Benfica e estava a fazer uma excelente temporada no modesto Leiria. Nenhum deles veio da 2ª Liga para treinar o F.C. Porto. Nesse aspecto, se calhar a exigência foi exagerada. Vítor Pereira ainda não estava preparado para o que ia encontrar. Precisava de outro tipo de tarimba.

Não deixa de ser curioso que é o próprio Vítor Pereira que salienta de forma humilde que ainda há pouco estava na Liga Orangina e que agora era campeão. O próprio Vítor Pereira de forma humilde admitiu erros e falhas e que ainda está a crescer como treinador e que espera crescer mais nos próximos anos. Louvo a humildade de Vítor Pereira no momento da vitória, principalmente quando seria tão fácil apontar o dedo a todos os que desconfiaram dele.

Porém, teremos que dizer que o F. C. Porto não pode atacar uma época com um treinador em formação… O Porto mesmo a formar jogadores, os da própria casa, não tem a paciência necessária…O que dizer de um treinador que deve comandar uma equipa com ambições internacionais? O F. C. Porto precisa de uma nova liderança, para um novo plantel, cortar com todos os hábitos maus que se vão criando com o tempo. Precisa de renovada ambição. Precisa de voltar à glória europeia, de valorizar activos e de também assegurar uma qualidade de jogo que empolgue os seus adeptos. O Porto não se pode esquecer dessa vertente. É a qualidade de jogo e a empatia que se estabelece entre a equipa e os adeptos que faz esgotar a venda de lugares anuais e que faz com que o merchandising tenha maior ou menor saída.

Época nova, plantel novo, uma ambição que se pretende renovada… Creio que tal exige outro treinador. Novas ideias, novos métodos, outro discurso. Essa tem sido a fórmula do sucesso do F. C. Porto. Não se cristalizar. Manter sempre uma base forte em termos daquilo que são os princípios orientadores de uma estrutura vencedora, mas sempre procedendo à mudança na continuidade. Mesmo quando se ganha, ter a capacidade de optar pela mudança para que não se caminhe para o conformismo. Os princípios que levaram à escolha de Vítor Pereira após a extemporânea saída de Andre Villas Boas, não se aplicam à nova época que se avizinha.

Como tal, considero que o melhor para o F. C. Porto e para o próprio Vítor Pereira seria uma saída amigável, com a opção de Vítor Pereira continuar o seu crescimento como treinador noutro país, noutra liga, com todas as condições para continuar a ter sucesso. Sei que isso seria o mais expectável e que Pinto da Costa odeia que adivinhem o que ele vai fazer, mas neste caso não há motivo para forçar outro tipo de decisão.

Mesmo pensando em Vítor Pereira. Nesta época, apesar de tudo, conseguiu sair valorizado no final com o título de campeão. Noutro clube, ele teria saído a meio da época totalmente enxovalhado por tudo e todos. No Porto não. Defenderam-no e protegeram-no até ao limite. Graças a isso ele tem a possibilidade de ter uma carreira internacional e manter todos os seus desejos e ambições intactos. O mesmo poderá não ocorrer se, após uma época tão desgastante e de tanta contestação, Vítor Pereira ficar no cargo e não ganhar nada. Aí a Liga que ele ganhou este ano de pouco valerá, e a sua carreira pode sofrer um enorme revés. Se sair agora, ele tem a possibilidade de sair como vencedor, e ainda ter um mercado interessante para crescer como treinador.

Por isso mesmo espero (embora pareça cada vez mais improvável, até pela forma como os adeptos já se parecem conformar com a ideia da continuidade e até a defenderem…), que Pinto da Costa e Vítor Pereira tenham a consciência do que é o melhor para os interesses do clube e mesmo o melhor para a carreira de Vítor Pereira.

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